segunda-feira, 11 de novembro de 2013
 

Incidentes com tubarões no Recife: O que se pode fazer?


Mais uma vez, o triste episódio da morte de uma menina de 18 anos, provocada pelo ataque de um tubarão no Recife, leva o tema às manchetes dos jornais e programas jornalísticos e suscita os mais variados comentários e discussões acerca do que se pode e o que se deve fazer, como o fechamento das praias e proibição do banho de mar, a colocação de redes ou telas de proteção e a captura de tubarões com fins de monitoramento e pesquisa.

Apesar de estarmos carecas de saber que foi o próprio homem quem provocou tudo isso, ao remodelar o litoral de Suape ao seu bel prazer no início da década de 1990, e que teremos que conviver com suas consequências – e a maior interação entre homem e tubarão, prevalecente fator causador dos incidentes, é a principal delas –, medidas precisam ser tomadas a fim de minimizar incidentes e mortes. Sobre isso não há dúvida. Mas fazer o quê?

Educação, esclarecimento e prevenção da população

O trabalho realizado pelo Governo de Pernambuco, através do Cemit (Comitê Estadual de Monitoramento de Incidentes com Tubarões), desde
2004, com a implantação de campanhas de esclarecimento, distribuição de folders educativos e a colocação de placas de alerta e prevenção nas praias, foi muito bem executado e surtiu o efeito esperado: orientou surfistas e banhistas para evitar locais e horários de maior risco real e diminuiu efetivamente o número de incidentes com tubarões.

Entretanto, por mais que se esclareça e alerte, as pessoas (em especial os adolescentes) têm uma natural tendência a achar que com elas nada acontecerá. Para esses casos, não há medida mais eficaz do que estar preparado para dar o atendimento imediato e correto à vítima resgatada.

Qualidade e eficiência do primeiro-socorro à vítima

Os bombeiros guarda-vidas brasileiros estão entre os melhores no resgate e atendimento aos afogados. Fato inquestionável. E seus pares pernambucanos são, além disso, verdadeiros heróis ao se colocar, sem hesitação, em risco pessoal para resgatar a vítima de ataque que está prestes a se afogar, como fez o soldado Figueiredo no caso da menina de 18 anos.

Afirmo, categoricamente, que é muito raro um tubarão atacar o ser humano com fins de alimentação. Mais de 90% dos ataques no mundo todo, inclusive no Recife, ocorrem por erro de identificação visual. Uma única mordida investigatória. Assim, caso a vítima não seja res- gatada a tempo, a morte se dará por afogamento secundário advindo do choque hipovolêmico provocado pela hemorragia.

Então, se o resgate é apropriado, o que falta? Faltam equipamentos adequados (e treinamento especializado) para executar um eficiente primeiro-socorro e uma rápida remoção, fundamentais em muitos casos para definir se a vítima sobreviverá após ser resgatada (tirada da água).
Essa, entre outras razões, explica por que o índice de 40% de fatalidade dos ataques de tubarões em Recife é o mais alto do mundo, enquanto a média internacional é de 13%. Mesmo na África do Sul, a chamada Costa dos Tubarões, onde o grande tubarão branco está entre as espécies envolvidas nos incidentes, a taxa de fatalidade é de apenas 12%.

Tomemos o exemplo do estado norte-americano da Flórida que, apesar de ter quase dez vezes mais incidentes com tubarões do que o Estado de Pernambuco, apresenta somente 1% de fatalidade. É isso mesmo. Não escrevi errado. SOMENTE 1% de fatalidade. Lá, os guarda-vidas são alta e constantemente treinados para aplicar de forma correta e eficiente os primeiros-socorros nas vítimas de ataque de tubarão. E, para isso, tem à disposição uma caixa com os mais modernos insumos e equipamentos médicos. Enquanto dão o primeiro atendimento já na areia, imediata- mente após o resgate, para conter a hemorragia e estabilizar as funções básicas, um helicóptero pousa ao lado e leva a vítima rapidamente para o hospital mais próximo.

Fechamento das praias e proibição do banho de mar

Todos sabem, há muitos anos, que não há risco de incidentes com tubarões nas áreas protegidas pelos arrecifes naturais (e são muitas). E sabem também que existem épocas do ano e horas do dia em que o banho de mar e as práticas esportivas devem ser evitados nas áreas desprotegidas por representar maior risco de incidente. Além disso, há dezenas de placas de alerta nas praias sinalizando as áreas de maior perigo.

O número de mortes por atropelamento no Recife (como em todas as grandes cidades) é infinitamente maior. Mas ninguém, em sã consciência, decide fechar as ruas e proibir os pedestres de atravessá-las. Cabe ao estado, tanto no caso dos atropelamentos quanto na questão dos tubarões (como já vem fazendo), promover campanhas de educação, esclarecimento e alerta para que os cidadãos e turistas tenham consciência, discernimento e responsabilidade em seus atos.

A menina morta no ataque de tubarão foi avisada dos riscos por um bombeiro guarda-vidas, e mesmo assim decidiu banhar-se na área desprotegida da Praia de Boa Viagem. Mais do que isso, impossível.

Colocação de redes ou telas de proteção

Implantar essa medida de proteção tem o seguinte significado: para termos o livre arbítrio de não respeitar as regras e avisos acima descritos sacrificaremos milhares de animais marinhos inocentes todos os anos.

Redes ou telas de proteção, como demonstram experiências em outros países, prendem e matam peixes, tartarugas, golfinhos e outros tubarões que nada têm a ver com os incidentes provocados pelos tu- barões das espécies cabeça-chata ou tubarão-tigre.

Fora o enorme custo ambiental, as redes ou telas de proteção exigirão altos custos de vistoria e manutenção que, se não forem bem feitos, poderão provocar a inusitada situação de ter um tubarão entrando na área protegida, através de prováveis buracos, e ali permanecer provocando incidentes.

Captura de tubarões com fins de monitoramento e pesquisa

A captura de tubarões com o objetivo real e efetivo de monitoramento e pesquisa sempre foi e continua sendo realizada no mundo todo.
Essa prática é necessária e útil para os cientistas estudarem o comportamento e a movimentação das populações de tubarões. E ob- viamente, no caso do Recife, isso pode contribuir sobremaneira para prevenir e minimizar os riscos de incidentes.

No entanto, pescar tubarões com o simples objetivo de eliminar as espécies mais agressivas do litoral pernambucano, para com isso diminuir a frequência de incidentes, é um procedimento bastante controverso e vai contra todos os conceitos de sustentabilidade e preservação do meio ambiente.

É mais uma demonstração prepotente do ser humano em acreditar que pode desequilibrar a natureza e depois, com a pretensa tentativa de consertar o dano colateral provocado, sacrificar espécies “problemáticas” que apenas se comportam de acordo com seus instintos. Seria como admitir a eliminação de tigres e leões motivada simplesmente por eventuais ataques e mortes de invasores de seu ambiente natural.

Isto posto, e se me fosse possível definir ações para minimizar incidentes e mortes no litoral do Recife, em resposta à pergunta do título, definiria que o melhor caminho seria investir recursos consideráveis em duas áreas:

  • Equipamentos e treinamento para os órgãos responsáveis atuarem de forma mais eficiente nos primeiro-socorros e na remoção;

  • Pesquisas de longo prazo com o propósito de obter dados científicos seguros que permitam estabelecer intervenções mitigadoras sem grandes impactos no ambiente marinho local.

Marcelo Szpilman, diretor do Instituto Ecológico Aqualung, é biólogo marinho formado pela UFRJ, com Pós-graduação Executiva em Meio Ambiente (MBE) pela Coppe/UFRJ, e autor dos livros Guia Aqualung de Peixes (1991) e de sua versão ampliada em inglês Aqualung Guide to Fishes (1992), Seres Marinhos Perigosos (1998), Peixes Marinhos do Brasil (2000) e Tubarões no Brasil (2004)

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