domingo, 30 de novembro de 2014
 

Declaração Universal dos Deveres do Homem: que tal começar pelas escolas?


Em 1948, as Nações Unidas endossaram a Declaração Universal dos Direitos do Homem. Em 1998, o
50º aniversário do documento, que representa um padrão moral, quase uma declaração de direito internacional, foi marcado pela defesa de um novo documento: a Declaração Universal dos Deveres do Homem.

A ação fazia parte de um plano do InterAction Council, desenhado em 1998, um ano após a apresentação à comunidade internacional do rascunho da declaração. Na época, a organização dirigida pelo ex-chanceler da República Federal da Alemanha Helmut Schmidt clamava
por uma Declaração Universal dos Deveres do Homem como complementar à Declaração de Direitos, e buscava um novo pacto entre os principais dirigentes mundiais que enfatizasse as obrigações, aqui entendidas como responsabilidades, em detrimento apenas dos direitos.

O documento síntese, publicado em abril de 1997, ressaltava que o conceito era novo apenas em algumas regiões do globo, já que no Oriente muitas culturas conceberam as relações humanas em termos de obrigações, ao invés de direitos. Eles defendiam que "obrigações serviriam para balancear a noção de liberdade e responsabilidade.

Enquanto direitos se relacionam com a liberdade, obrigações se associam com responsabilidades.
E, apesar da distinção, liberdade e responsabilidade são interdependentes (...). Em nenhuma sociedade, a liberdade pode ser exercida sem limites". O texto declarava que, após o fim da Guerra Fria, "a humanidade estava mais próxima do desejado equilíbrio entre liberdade e responsabilidade, já que até o momento todos estavam brigando por liberdades e direitos".

O foco era encontrar uma linguagem comum que mobilizasse os homens a assumir suas  esponsabilidades. As consequências de um fato compartilhado por todos – os efeitos da globalização e das crises econômicas da década de 1990 – davam o sentido de urgência aesse compromisso. Eles citavam os pecados sociais descritos por Mahatma Gandhi no século XX para corroborar essa urgência:

1- Política sem princípios;
2- Comércio sem moralidade;
3- Riqueza sem trabalho;
4- Educação sem caráter;
5- Ciência sem humanidade;
6- Prazer sem consciência;
7- Adoração sem sacrifício;

Por fim, propunham oito princípios:

"Se temos direito à vida, temos a obrigação de respeitá-la."

"Se temos o direito à liberdade, temos o dever de respeitar a liberdade do outro.”

"Se temos o direito à segurança, temos a obrigação de criar as condições para que todo ser humano desfrute da segurança."

"Se temos o direito a participar do processo político de nosso país e eleger nossos líderes, temos a obrigação de participar e assegurar que o melhor líder seja o escolhido."

"Se temos o direito a trabalhar com condições favoráveis e promover um padrão decente de vida para
nós e nossas famílias, temos a obrigação de realizar o melhor de nossa capacidade."

"Se temos o direito à liberdade de pensamento, consciência e religião, temos a obrigação de respeitar
o pensamento e os princípios religiosos dos outros."

"Se temos o direito à educação, temos a obrigação de aprender o máximo de nossa capacidade e, quando possível, compartilhar nosso conhecimento e experiência com os outros."

"Se temos o direito de nos beneficiar da generosidade da terra, temos a obrigação de respeitar, cuidar e restaurar a terra e seus recursos naturais.”

Os princípios se baseavam numa regra de ouro: "Não faça com os outros aquilo que você não quer que seja feito com você".

Em setembro de 1997, o rascunho da declaração é publicado. Ele é redigido a partir das recomendações solicitadas por Helmut Schmidt, Andries van Agt e Miguel de la Madrid, aos professores Thomas Axworthy, Kim Kyong-dong e Hans Küng. A versão em português está no link http://interactioncouncil.org/sites/default/files/pt_udhr.pdf.

Os percalços


O timing parecia perfeito: 50 anos da Declaração Universal dos Direitos do Homem; os impactos da Globalização da economia em várias partes do globo terrestre. Era hora de mudar paradigmas e atitudes. Segundo o prêmio Nobel Oscar Arias, problemas como a redução da camada de ozônio, o crescimento desenfreado da população, a poluição, o desmatamento, a guerra nuclear afetam todas as pessoas sem distinção de raça, religião, sexo ou status social. "Há três argumentos fortes para desenvolver um código de responsabilidades humanas: os problemas da sociedade são resultados diretos da ação humana; toda a humanidade está diretamente interessada em ver os problemas resolvidos e, uma vez que direitos e deveres estão interconectados, direitos humanos também devem carregar as responsabilidades", defendeu. Ele ressaltou que o código deveria considerar não apenas os deveres em termos de obrigação do estado vis-à-vis com os indivíduos, mas considerar as quatro dimensões da ação humana: obrigação entre pessoas, entre nações, com o Planeta Terra e conosco.

Apesar do apoio de parte da comunidade internacional e dos governos à primeira versão do documento, traduzido para 17 línguas, houve hesitação de governos ocidentais. Alguns setores da imprensa fizeram oposição aberta ao documento. Em março de 1998, o InterAction Council, ciente de que a versão inicial teria que ser alterada, se reuniu para formular um plano de ação para a disseminação do documento.

O grupo fez um sumário das reações e detalhou a estratégia junto aos ativistas de direitos humanos e à imprensa. Enquanto a última temia que a declaração encorajasse o controle à liberdade de imprensa, os movimentos de direitos humanos acreditavam que o documento poderia minar a mobilização em torno deles.

No documento de disseminação são expostas as revisões a serem implementadas de imediato e a necessidade de se criar um Fundo para levar essas ações adiante. "Os participantes estão cientes de que levará anos antes que o apelo moral do documento possa ser aceito pelo mundo inteiro. O objetivo do conselho é apresentar a mensagem principal da declaração", dizia o documento.

No mesmo mês, Malcolm Frase encaminha uma carta à Unesco defendendo a importância de se falar em responsabilidades. "O propósito desse trabalho é disseminar a crença de que um mundo em que cada um demanda direitos, mas não aceita responsabilidades, será desigual, e cada vez mais perigoso e divergente."

Em 1999, Helmut Schmidt volta ao tema no discurso na Universidade de Hansung, em Seul. E conclui: "Tenho que admitir que o rascunho da Declaração dos Deveres do Homem é apenas um dos esforços desejáveis para o estabelecimento de uma consciência humana a respeito da busca de um código ético mínimo. Precisamos de outros. De professores, padres e acadêmicos que possam contribuir com a ideia de uma ética global mínima, e dos políticos também. Caso contrário, a era da TV e da internet globalizada pode-nos colocar numa era da superficialidade, com mais intolerância e guerra".

Apesar de nos últimos anos terem surgido iniciativas e sugestões de alteração do texto, outros problemas passaram a ser foco do Conselho. Mesmo a declaração não tendo atingido o objetivo de ser adotada como documento-irmão da Declaração de Direitos Humanos, ela ainda vem sendo debatida em várias partes do mundo.

Em novembro de 2014, um encontro da Academia Mundial de Artes e Ciências (presidida pelo brasileiro Heitor Gurgulino de Souza, ex-reitor da Universidade das Nações Unidas), do Consórcio Mundial de Universidades e da Universidade de Al-Farabi, no Cazaquistão, debate um novo paradigma para o desenvolvimento humano.

Especialistas de todas as partes do mundo discutirão por dois dias a multidimensionalidade dos desafios globais, as oportunidades e soluções para alcançar modelos de desenvolvimento sustentável, pleno emprego, democracia,direitos e responsabilidades humanas. Os desafios
certamente são enormes para alinhar as ações que
serão sugeridas ao cotidiano dos países.

Mais do que corroborar o documento, cujos princípios parecem de fácil compreensão, é preciso aplicá-lo "em nosso quintal". Que tal começar pelas escolas? Engajar os jovens nesse propósito pode ser um belo começo para vencer resistências e exercitar a recompensa pelo esforço de olhar para o próximo e reconhecer nosso poder de transformar a realidade.


Geiza Gomes Rocha é jornalista e coordena, na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), o Fórum de Desenvolvimento
Estratégico do Estado do Rio de Janeiro


Fontes:
http://interactioncouncil.org/a-universal-declaration-of-human-responsibilities
http://interactioncouncil.org/dissemination-of-the-universal-declaration-of-human-responsibilities
http://interactioncouncil.org/sites/default/files/pt_udhr.pdf

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Estante - 139


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PLANETA SUSTENTÁVEL. Manual de etiqueta 3.0: 65 ideias para enfrentar o aquecimento global e outros desafios da atualidade. [São Paulo]: Abril, 2010.

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Agenda - 139


Seminário Internacional – Desenvolvimento: Questões Interdisciplinares
27 a 28 de novembro, no Rio de Janeiro (RJ).
Realização: Colégio de Altos Estudos – FCC/UFRJ.
Informações: labimagenseicos@gmail.com.

III Seminário Internacional Frotas & Fretes
De 27 a 28 de novembro, no Rio de Janeiro (RJ).
Realização: Instituto Besc de Humanidades e Economia.
Informações: victor@institutobesc.org.

8ª Edição do Fórum Brasileiro de Educação Ambiental/II Encontro Panamazônico de Educação Ambiental
De 3 a 6 de dezembro, em Belém, Pará (PA).
Realização: Universidade Federal do Pará.
Informações: www.educacaoambiental.net/#/inscricoes

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