terça-feira, 12 de julho de 2011
 

Esgoto a céu aberto: inimigo invisível


O acesso à água potável e ao saneamento básico foi reconhecido como direito do ser humano pela Organização das Nações Unidas. A resolução declara que “o direito a uma água potável, limpa e de qualidade e a instalações sanitárias é um direito humano, indispensável para gozar plenamente do direito à vida”. No entanto, 884 milhões de pessoas no mundo não têm acesso à água potável e mais de 2,6 bilhões não dispõem de instalações sanitárias adequadas.

Serviço absolutamente essencial, a coleta e o tratamento de esgoto têm sido deixados de lado por sucessivos governos. Hoje, apenas 50,6% da população urbana brasileira tem acesso à rede de esgoto. Para um país que pretende ser uma potência econômica, esse número é inaceitável, principal-mente porque quem tem mais sofrido com essa situação são as crianças. A inexistência de rede de distribuição de água potável, associada à falta de coleta e de tratamento de esgoto, cria um ambiente insalubre que propicia o desenvolvimento de doenças fatais. O que mais surpreende no esgoto é o seu poder destruidor, sua capacidade de atuar em todo o território nacional e de se infiltrar em todos os níveis da sociedade.

A imagem de crianças brincando em meio aos esgotos e lixo a céu aberto é tocante aos olhos de qualquer um. O principal impacto disso, ou melhor, o impacto mais visível dessa cena é a diarréia. Os pais levam a criança ao posto de saúde com dores abdominais, e o médico faz o diagnóstico de parasitose. Descreve o tratamento recomendando a ingestão de um medicamento antibiótico e soro. A criança toma o medicamento como prescrito, mas já na próxima visita ao médico retorna com o mesmo
problema. Depois de três ou quatro crises de diarréia, a criança cria imunidade e, então, desde que haja uma boa nutrição, as diarréias parecem ficar menos importantes, uma vez que a criança se recupera bem. Apesar de mínimas, este quadro freqüente de diarréias deixa sequelas a médio e longo prazo.

Além das diarréias e outras infecções causadas pela falta de coleta e de tratamento de esgoto, outras doenças prejudicam o desenvolvimento e condenam essas crianças em longo prazo. Se pegarmos crianças de 0 a 5 anos, os danos são ainda maiores: são permanentes. Trata-se de doenças toxicológicas causadas pela contaminação por substâncias químicas vindas de causas e produtos diversos, tais como a lata de refrigerante, a lata de tinta, garrafas PET, óleo de cozinha, sacolas plásticas, entre outros objetos que são lançados diariamente nos rios e nos esgotos a céu aberto das comunidades carentes em todo o país.

De acordo com o Ranking do Saneamento com avaliação dos serviços nas 81 maiores cidades do país, divulgado anualmente pelo Instituto Trata Brasil, em 2008 eram despejados, diariamente, 5,9 bilhões de litros de esgoto sem tratamento algum, somente nessas cidades, contaminando solos, rios, mananciais e praias do país com impactos diretos à saúde da população.

Engana-se quem pensa que os impactos da concentração de lixo nos esgotos a céu aberto e nos rios afeta apenas a saúde daqueles que moram nas comunidades carentes. Grande parte dessas substâncias tóxicas que estão concentradas nos esgotos a céu aberto é volátil e evapora levando o “proble-ma” para uma área muito maior. Veja só: todos os anos, no início do ano, nossas cidades sofrem com as enchentes. Imagine você que trafega pelas redondezas do Rio Tietê, por exemplo, ou de qualquer corpo d’água do país. Com as chuvas, todo aquele esgoto que está sendo jogado direto no rio irá evaporar e você irá respirar esse ar contaminado pelas substâncias químicas. Não há escolha, você pode estar na parte rica ou pobre da cidade, mas você será atingido por esse verdadeiro inimigo invisível.

Vamos nos concentrar aqui nos efeitos que esse inimigo traz às crianças. Essas substâncias afetarão a capacidade imunológica dos glóbulos brancos eliminarem as bactérias e de produzir anticorpos, provocando alergias respiratórias, nasais, intestinais e de pele que vão permanecer com essa criança por muito tempo. Além disso, a criança terá também a sua função renal alterada podendo tornar-se hipertensa, e seu rim pode vir a sofrer uma falência precoce.

Mas as crianças mais afetadas são aquelas que têm entre 0 e 5 anos e que ainda estão em fase de desenvolvimento corporal e do cérebro. Essa é a fase mais importante do ser humano em termos de ditar a qualidade de vida como adulto, incluindo também os nove meses de gestação da mãe. Essa é a fase mais crítica, ou seja, quando os órgãos estão se formando, pois eles estão extremamente sensíveis e suscetíveis a pequenas modificações ambientais ou de ingestão de substâncias. Um recém-nascido, fruto de uma mãe que vive em um ambiente inóspito, ou seja, um ambiente sem coleta e tratamento de esgoto, vai sentir muito mais a exposição a essas substâncias e poderá ter uma má formação cardíaca, sofrer de deficiência hepática e de problemas imunológicos.

Mais grave do que o quadro acima é o seu sistema neurológico, ou seja, seu sistema nervoso central e periférico. O cérebro pode até desenvolver o tamanho correto, mas a capacidade de fazer sinapses, de fazer ligações nervosas será prejudicada. 90% das sinapses se formam até os 7 anos de vida. E a maturação e a complexidade dessa rede neuronal vão terminar apenas aos 18 anos de vida. Essas duas fases, entre 0 e 7 e entre 7 e 18, são determinantes da capacidade e da personalidade desse indivíduo. A criança que nasce e vive seus primeiros anos vida nesse ambiente inóspito está fadada a sofrer um déficit de aprendizado e intelectual, e se tornará um peso para a sociedade.

Infelizmente, nossos governantes ainda têm uma visão míope sobre a questão do saneamento básico: constroem estádios enormes para esportes e esquecem de investir em uma área que é fundamental, que representa um investimento que no futuro irá refletir em uma economia enorme, que é a de não ter que cuidar de uma criança com deficiência mental, intelectual, imunológica ou de saúde decorrente da exposição a substâncias químicas que permeiam o nosso país.

A sociedade civil precisa estar alerta para o problema toxicológico causado pela falta de coleta e tratamento de esgoto, e que não está restrita apenas às comunidades carentes. Basta um vento mais forte ou uma chuva para carregar as substâncias tóxicas para muito mais longe, contaminando e condenando, em porções homeopáticas, toda a sociedade. Tais substâncias, despejadas diariamente
em nossos rios pelos esgotos, são um verdadeiro inimigo invisível. A sociedade deve se unir e cobrar de seus governantes um olhar mais atento, e investimentos prioritários na coleta e tratamento de esgoto devem ser feitos para garantir qualidade de vida à nossa população e, principalmente, às nossas futuras gerações.

Anthony Wong é pediatra, professor e diretor do Ceatox do Instituto da Criança, do Hospital das Clínicas da FMUSP, e embaixador do Instituto Trata Brasil

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Agenda - 119


Rio Ambiente 2011
De 06 a 08 de julho, no Rio de Janeiro (RJ).
Realização: Fórum de Sustentabilidade do Sistema Firjan.
Informações pelo tel. 0800 0231231.

Conferência Ethos
09 de agosto, em São Paulo (SP).
Realização: Empresas e Responsabilidade Social.
Informações em www.ethos.org.br

Sustentável 2011
De 27 a 29 de setembro, no Rio de Janeiro (RJ).
Realização: 4º Congresso Internacional sobre Desenvolvimento Sustentável.
Informações em www.cebds.org.br

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Estante - 119


AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS. Relatório de atividade ANA. São Paulo: ANA, 2010. 103p.

AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS. Cuidando das Águas: Soluções para Melhorar a Qualidade dos Recursos Hídricos. Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Brasília: ANA, 2011. 154p.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. História da normalização brasileira. São Paulo: ABNT, 2011. 111p.

BOLETIM TÉCNICO DO SENAC. Rio de Janeiro: Senac, v.37, n.1, jan./abr. 2011.

BRASIL SEMPRE. Síndrome do Japão: da saída para o aquecimento global ao medo de uma tragédia radioativa. Rio de Janeiro: FGV, ano 11, n.43, jan./mar. 2011.

BROWN, Lester R. World on the edge: how to prevent environmental and economic collapse. New York: Earth Police Institute. 240p.

DEMOCRACIA VIVA. Rio de Janeiro: Ibase, n.46, abr. 2011.

ECCLESTON, H. Charles. Environmental impact assessment: a guide to best professional practices. Taylor and Francis Group, 2011.268p.

FIRJAN. Manual de licenciamento ambiental. Rio de Janeiro: Sebrae, 2010. 36p.

FERGUSON, E. Mark and SOUZA, C. Gilvan. Closed – Loop Supply Chains: New developments to improve the sustainability of business practices. Taylor and Francis Group, 2010.239p.

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INSTITUTO TRATA BRASIL. Dois anos de acompanhamento do PAC Saneamento em 2010: análise comparativa cm 2009. São Paulo: Instituto Trata Brasil, 2011.

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MELOS, Márcia Rejane Riccioni de.
Construção de material didático de educação ambiental para recrutas do exército brasileiro. 2011. Monografia (Pós-Graduação em Gestão Ambiental) – Escola Politécnica da UFRJ, Instituto Brasil Pnuma, Rio de Janeiro.

PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O MEIO AMBIENTE. Relatório economia verde: resumo das conclusões. Brasília: Pnuma, 2011. 10p.

Região Metropolitana do Rio de Janeiro e as vulnerabilidades das megacidades brasileiras às mudanças climáticas. Rio de Janeiro, 31p.

REVISTA MEIO AMBIENTE INDUSTRIAL. São Paulo: Tocalino. ano 15, n.90, mar./abr. 2011.

REVISTA TCMRJ. Rio de Janeiro: Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro, ano 28, n.46, jan. 2011.

SILVA, Felipe de Freitas Tavares da. O Sistema LEED de Certificação de Novas Edificações: checklist e proposta de guia para prevenção e controle de impactos ambientais na etapa de construção. 2011. Monografia (Pós-Graduação em Gestão Ambiental) – Escola Politécnica da UFRJ, Instituto Brasil Pnuma, Rio de Janeiro.

TRAMONTINA, Carlos. Rios de São Paulo: Tietê presente e futuro. São Paulo: BEI Comunicação, 2011. 231p.

VISSER, Wayne. The top 50 sustainability books. United Kingdom: Greenleaf, 2009. 255p.

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