segunda-feira, 2 de maio de 2011
 

Economia verde: os caminhos rumo à conferência Rio+20


A transição para uma economia verde, de baixo carbono e uso eficiente de recursos tem se tornado uma parte central da agenda internacional de esforços para que o desenvolvimento sustentável evolua em um século 21 de rápidas mudanças.

No ano que vem no Brasil, governos se reunirão nova-mente 20 anos após a cúpula da Rio-92 em meio a um cenário de desafios emergentes e persistentes, e contra um pano de fundo de crises recentes que ainda se desdobram e que estão sendo desencadeadas em parte pela maneira como gerenciamos, ou melhor, desperdiçamos recursos naturais finitos.

Uma economia verde, no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza, é um dos dois temas centrais da Conferência da ONU sobre Desenvolvimento
Sustentável 2012 ou Rio+20. Um somatório honesto do que tem funcionado nestes anos de intervalo e – talvez de importância ainda maior – o porquê de muitas coisas não terem funcionado também será central.

O ponto de vista do Pnuma é que apesar das polêmicas, a economia verde nos oferece uma maneira de se implementar o desenvolvimento sustentável, e não para um grupo apenas de nações. De fato, uma economia verde é do interesse de todas as nações – ricas e menos ricas, desenvolvidas e em desenvolvimento, de livre mercado ou de economia planejada – para que se possa reduzir o impacto planetário da humanidade, de forma que reflita as circunstâncias de cada país.

Em apoio aos preparativos internacionais, o Pnuma lançou o relatórioUma Transição para uma Economia Verde durante o seu recente Conselho Governativo que ocorreu em Nairobi, no Quênia. O relatório, que envolveu economistas do mundo todo e grupos da sociedade civil, incluindo organizações trabalhistas e cidades, sugere que investir dois por cento do PIB global anual em dez setores-chave poderia iniciar o processo de transição, se tiver o apoio dos tipos certos de políticas e medidas de fomento inteligentes.

O financiamento desta transição, o que totalizaria algo na casa de US$ 1,3 trilhão por ano, poderia vir em parte da redução ou abandono de algo em torno de US$ 1 trilhão de subsídios “danosos” que cobrem de combustíveis fósseis
a fertilizantes e a pesca. Em termos de combustíveis fósseis, isto tem feito parte das cúpulas do G-8 e G-20 por pelo menos dois anos. Mas até agora poucos países têm atuado com vigor; a Indonésia figurando entre várias exceções notáveis.

O estudo sobre a economia verde apresenta países e comunidades onde algumas transições já estão sendo feitas. Da República da Coréia, onde a reciclagem cresceu 14% e contribuiu com US$ 1,6 bilhão para a economia após a introdução de uma lei de responsabilidade dos fabricantes que cobre de pneus a baterias velhas, a Uganda, onde políticas destinadas ao fomento da agricultura sustentável têm desencadeado um crescimento no número de fazendeiros orgânicos certificados de cerca de 45.000, em 2004, para mais de 200.000 agora — fazendeiros cujos rendimentos têm crescido devido aos altos preços nos mercados globais para alimentos orgânicos.

De fato, uma pesquisa do Pnuma e da Conferência da ONU sobre Comércio e Desenvolvimento revelou que dentre milhares de pequenos agricultores que têm mudado para orgânicos ou quase-orgânicos, safras têm aumentado 100% em média, chegando a 125% em alguns casos. Em 2011, a capacidade instalada de foto-voltaicos ou painéis sola-res deverá chegar a 50GW – o equivalente a 50 reatores nucleares – em países onde políticas de fomento têm sido adotadas.

O relatório Economia Verde também se apóia no estudo A Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade (TEEB, na sigla em inglês), uma abrangente parceria que o Pnuma organiza. O estudo ressalta que ano a ano o mundo perde talvez até US$ 4,5 trilhões em termos de perdas de serviços de ecossistemas, principalmente de florestas. Também aponta para as limitações da ciência econômica contemporânea, em que muitas vezes o valor real permanence invisível na contabilidade nacional, e, portanto, não leva a decisões mais bem embasadas.

Ao longo dos trópicos, manguezais estão sendo removidos para dar lugar a criações de camarão. Na superfície, a economia e talvez os impactos tenham uma boa aparência, em favor destas criações de camarão. De fato, a criação comercial subsidiada de camarão pode gerar retornos de cerca de US$ 1.220 por hectare, removendo manguezais. Mas de acordo com um estudo do TEEB da Tailândia, isto não leva em consideração os déficits para as comunidades locais totalizando mais de US$12.000 por hectare, ligados à perda de madeira e outros produtos florestais, pesca e serviços de proteção da costa. Tampouco o lucro dos operadores comerciais leva em conta os custos da reabilitação de locais abandonados após cinco anos de exploração – estimados em mais de US$ 9.000 por hectare.

Haverá desafios sob os cenários da economia verde – num setor como a pesca, alguns empregos podem ter de ser eliminados e fundos destinados para ajudar os trabalhadores a se requalificarem em novas áreas de trabalho para que os estoques sobrecarregados possam ser salvos e recuperados. Mas no geral todos os modelos indicam que com o tempo uma economia verde gera mais empregos do que a perda dos antigos setores “marrons”.

A Rio+20 representa uma oportunidade de se aumentar e acelerar estas “mudas verdes”, mas não por meio de algum protocolo global ou mecanismo legalista. Mais pela concordância a cerca dos princípios e o encorajamento a nações para que trabalhem em prol da transição – mais cenoura que porrete, mais uma questão de evidências e lógica inerente do que uma camisa de força qualquer.

Indicadores nacionais de uma economia verde também serão relevantes, uma questão que o Pnuma está trabalhando em conjunto com seus parceiros. Existem riscos: alguns países estão preocupados com as tarifas verdes ou barreiras protecionistas. Estes são riscos que precisam ser administrados e mitigados. Mas estes riscos são também inerentes nos modelos econômicos existentes em um mundo onde países estão competindo em um mercado global. Para se assegurar o cumprimento dos princípios acordados do regime de comércio global, pode então se requerer o engajamento ativo da Organização Mundial do Comércio.

O segundo tema no Rio ano que vem será uma Estrutura Internacional para o Desenvolvimento Sustentável – uma questão que vai ao cerne de como as instituições globais estão configuradas e se elas estão nos puxando em direções que apóiem a sustentabilidade.

Quase desde a fundação do Pnuma, têm havido clamores para sua modernização. Estes debates estão reemergindo na estrada para a Rio 2012 como parte do debate mais amplo circundando a governança do desenvolvimento sustentável.

Alguns falam de uma Organização Mundial do Meio Ambiente, uma Organização Ambiental da ONU e outros de talvez um guarda-chuva para o desenvolvimento sustentável. Outras sugestões também estão sendo feitas.

O debate também se anima em relação ao cenário fracionado dos acordos ambientais multilaterais que cobrem do clima à biodiversidade e produtos químicos a detritos, cada um com, por exemplo, suas próprias conferências e órgãos subsidiários. O financiamento da dimensão ambiental do desenvolvimento sustentável também é complexo e fragmentado, espalhado como é ao longo de instituições e instalações. Mesmo nas mais práticas das avaliações, os arranjos existentes são difíceis para muitos países e especialmente os em desenvolvimento, com parca capacidade financeira e humana. Ao longo do período de 1992-2007, por exemplo, houve mais de 540 reuniões ligadas a 18 tratados ambientais.

Estas reuniões geraram mais de 5.000 decisões, sobre as quais se requer que os países ajam. Ainda resta muito esforço politico pesado para que esta discussão amadureça e que se chegue a alguma conclusão final e talvez de grande significância. Mas algumas coisas estão claras. No Conselho Governativo do Pnuma, os ministros do Meio Ambiente do mundo todo acordaram que o status quo não é uma opção, e dois abrangentes caminhos têm emergido – reformas incrementais e fundamentais.

Os próximos 12 meses podem nos fornecer o esqueleto, o músculo e a visão sobre as quais estes caminhos podem ser levados adiante. Nós estamos vivendo em um mundo de desafios – muitos dos quais a ciência está confirmando que são ainda mais tangíveis, reais e urgentes do que talvez fossem em 1992. Mas também vivemos em um mundo de oportunidades imensuráveis, não menos para uma ruptura fundamental com os caminhos econômicos, sociais e ambientais do passado.

A Rio+20 pode ser mais uma data no calendário. Mas também pode ser um ponto de inflexão nos assuntos globais, em que a promessa do desenvolvimento sustentável feita há 20 anos é transformada de um ideal em uma realidade para quase 7 bilhões de pessoas.

Achim Steiner é subsecretário-geral da ONU e diretor executivo do Pnuma

Marcadores: