Urbanismo Sustentável
A idealização do futuro róseo, em que todas as questões estariam equacionadas, foi o grande motor do urbanismo moderno, hegemônico ao longo de grande parte do século XX. Enquanto ele manteve vitalidade, as doutrinas urbanísticas preocupavam-se com o desenho da cidade ideal, aquela que seria determinante na constituição da nova sociedade da igualdade. Uma vez alcançado o desenho perfeito, necessariamente chegaríamos à nova sociedade.
Foi nesse diapasão que desprezamos a cidade herdada – e demos força a planos que desconsideravam as preexistências ambientais e culturais. Fomos cordatos com as proposições que impuseram desconstruções do patrimônio, rompimento de limites ecológicos, desconsideração para com as possibilidades do meio ambiente.
Nas principais cidades brasileiras, no apogeu modernista do progresso a qualquer custo, abolimos os sistemas de transporte sobre trilhos que estruturavam as cidades de então em benefício do transporte sobre pneus. Trens e bondes deram lugar a ônibus e automóveis, permitindo a expansão dos tecidos urbanos, espalhando a mancha ocupada para muito além das exigências do crescimento demográfico.
No caso do Rio de Janeiro, a cidade se expandiu desproporcionalmente ao aumento populacional, chegando ao final do século XX com uma densidade demográfica inferior à do final do século XIX.(ver gráfico)
A expansão com simultânea perda de densidade demográfica configura-se como uma das mais efetivas matrizes das dificuldades de nossas cidades, o que, embora sob o ponto de vista doutrinário já esteja suficientemente demonstrado, ainda perdura na prática de gestão do urbano brasileiro.
Mas nossas principais cidades já não têm aumento acelerado de população. No caso do Rio de Janeiro, desde os anos 1980 é a cidade metropolitana que menos cresce no Brasil. Temos estabilidade demográfica. Nesse senti-do, diria que, para a cidade, o futuro já chegou.
Não obstante, continuamos a tratar o Rio como se tudo tivesse que ser refeito. Vivemos certa inércia epistemológica que justificaria expandir o tecido urbano à espera das multidões que jamais virão.
Assim, dois temas essenciais e complementares se impõem: o cuidado com a cidade existente e o projeto da cidade sustentável.
É com a cidade com que chegamos até aqui que teremos que construir o lugar das próximas gerações. E, para elas, nosso compromisso há de ser uma cidade igual ou melhor do que a herdada.
Nas principais cidades mundiais, o cuidado com o espaço existente tem correspondido aos esforços mais importantes. A prioridade não é abrir áreas novas, mas preservar as existentes. Manter a cidade funcionando tem alto custo e exige continuidade. Sobretudo, precisa contar com a colaboração cidadã, na preservação dos equipamentos e do espaço público.
Hoje, podemos prever com alguma segurança as demandas da cidade. Contudo, a questão não é apenas técnica, mas sobretudo política. Está no debate político a decisão para onde dirigir a ocupação urbana, onde investir, enfim, como traçar os caminhos da cidade.
O debate político pode se organizar por instrumentos institucionais, como o Plano Diretor, em que a cidade diz como se deseja nas próximas décadas. E, no caso do Rio de Janeiro, com a oportunidade de realização dos Jogos Olímpicos de 2016, a questão assume especial relevo, em vista dos enormes investimentos programados.
As Olimpíadas chegam em um momento em que precisamos pensar na ideia de contrair a cidade, ao invés de expandi-la. Mas o Rio de Janeiro vai insistir na ocupação extensiva? Ou vai garantir uma cidade compatível com sua economia urbana para além dos Jogos? Como estimular o trans-porte público de qualidade e não poluidor? O que fazer com os vazios infraestruturados? Com as áreas ociosas que foram ocupadas por indústrias e hoje estão abandonadas?
Esses dois temas essenciais do desenvolvimento urbano contemporâneo, preexistências e sustentabilidade, se impõem como premissas sobre as quais a cidade precisa construir consenso mínimo.
O modelo convencional de planejamento priorizava definir alturas, volumes e usos das edificações. Confiava que a cidade se moldaria assim. Como o futuro estava no infinito, podia fazer algum sentido.
Para a cidade sustentável, o modelo não satisfaz. Agora, interessa garantir a ambiência urbana com qualidade, o espaço público com vitalidade, bem conformado, os serviços plenos na cidade inteira. Garantir a preservação da condição essencial da cidade como lugar da interação social é a chave do futuro urbano.
A urbanística torna-se mais complexa, é dinâmica, é proativa, conduz as possibilidades que se apresentam à cidade e as torna em acordo com as diretivas coletivas pactuadas democraticamente.
Sérgio Magalhães é arquiteto. Doutor em Urbanismo, é professor do Programa de Pós-Graduação em Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ. smc@centroin.com.br
Foi nesse diapasão que desprezamos a cidade herdada – e demos força a planos que desconsideravam as preexistências ambientais e culturais. Fomos cordatos com as proposições que impuseram desconstruções do patrimônio, rompimento de limites ecológicos, desconsideração para com as possibilidades do meio ambiente.
Nas principais cidades brasileiras, no apogeu modernista do progresso a qualquer custo, abolimos os sistemas de transporte sobre trilhos que estruturavam as cidades de então em benefício do transporte sobre pneus. Trens e bondes deram lugar a ônibus e automóveis, permitindo a expansão dos tecidos urbanos, espalhando a mancha ocupada para muito além das exigências do crescimento demográfico.
No caso do Rio de Janeiro, a cidade se expandiu desproporcionalmente ao aumento populacional, chegando ao final do século XX com uma densidade demográfica inferior à do final do século XIX.(ver gráfico)
A expansão com simultânea perda de densidade demográfica configura-se como uma das mais efetivas matrizes das dificuldades de nossas cidades, o que, embora sob o ponto de vista doutrinário já esteja suficientemente demonstrado, ainda perdura na prática de gestão do urbano brasileiro.
Mas nossas principais cidades já não têm aumento acelerado de população. No caso do Rio de Janeiro, desde os anos 1980 é a cidade metropolitana que menos cresce no Brasil. Temos estabilidade demográfica. Nesse senti-do, diria que, para a cidade, o futuro já chegou.
Não obstante, continuamos a tratar o Rio como se tudo tivesse que ser refeito. Vivemos certa inércia epistemológica que justificaria expandir o tecido urbano à espera das multidões que jamais virão.
Assim, dois temas essenciais e complementares se impõem: o cuidado com a cidade existente e o projeto da cidade sustentável.
É com a cidade com que chegamos até aqui que teremos que construir o lugar das próximas gerações. E, para elas, nosso compromisso há de ser uma cidade igual ou melhor do que a herdada.
Nas principais cidades mundiais, o cuidado com o espaço existente tem correspondido aos esforços mais importantes. A prioridade não é abrir áreas novas, mas preservar as existentes. Manter a cidade funcionando tem alto custo e exige continuidade. Sobretudo, precisa contar com a colaboração cidadã, na preservação dos equipamentos e do espaço público.
Hoje, podemos prever com alguma segurança as demandas da cidade. Contudo, a questão não é apenas técnica, mas sobretudo política. Está no debate político a decisão para onde dirigir a ocupação urbana, onde investir, enfim, como traçar os caminhos da cidade.
O debate político pode se organizar por instrumentos institucionais, como o Plano Diretor, em que a cidade diz como se deseja nas próximas décadas. E, no caso do Rio de Janeiro, com a oportunidade de realização dos Jogos Olímpicos de 2016, a questão assume especial relevo, em vista dos enormes investimentos programados.
As Olimpíadas chegam em um momento em que precisamos pensar na ideia de contrair a cidade, ao invés de expandi-la. Mas o Rio de Janeiro vai insistir na ocupação extensiva? Ou vai garantir uma cidade compatível com sua economia urbana para além dos Jogos? Como estimular o trans-porte público de qualidade e não poluidor? O que fazer com os vazios infraestruturados? Com as áreas ociosas que foram ocupadas por indústrias e hoje estão abandonadas?
Esses dois temas essenciais do desenvolvimento urbano contemporâneo, preexistências e sustentabilidade, se impõem como premissas sobre as quais a cidade precisa construir consenso mínimo.
O modelo convencional de planejamento priorizava definir alturas, volumes e usos das edificações. Confiava que a cidade se moldaria assim. Como o futuro estava no infinito, podia fazer algum sentido.
Para a cidade sustentável, o modelo não satisfaz. Agora, interessa garantir a ambiência urbana com qualidade, o espaço público com vitalidade, bem conformado, os serviços plenos na cidade inteira. Garantir a preservação da condição essencial da cidade como lugar da interação social é a chave do futuro urbano.
A urbanística torna-se mais complexa, é dinâmica, é proativa, conduz as possibilidades que se apresentam à cidade e as torna em acordo com as diretivas coletivas pactuadas democraticamente.
Sérgio Magalhães é arquiteto. Doutor em Urbanismo, é professor do Programa de Pós-Graduação em Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFRJ. smc@centroin.com.br
Marcadores: artigos