domingo, 14 de março de 2010
 

Empresas e Sustentabilidade


Uma das transformações mais significativas que pudemos observar nos últimos 30 anos, no contexo da gestão ambiental, foi a mudança da atitude empresarial em relação ao meio ambiente.
Durante os anos 60, o agravamento dos índices de poluição nos países desenvolvidos exigiu uma ação governamental, que resultou no estabelecimento de padrões rigorosos de qualidade ambiental e de emissão de poluentes industriais. O desenvolvimento de tecnologias visando à redução da poluição industrial foi inicialmente direcionado para a produção de equipamentos para serem acoplados aos processos produtivos existentes (end of the pipe treatment). Os altos investimentos, incluindo operação e manutenção dos equipamentos, resultaram no aumento do custo final dos produtos.
A atitude empresarial em relação ao meio ambiente era, portanto, predominantemente
reativa, pois a competitividade e o meio ambiente eram totalmente antagônicos.

O conceito do desenvolvimento sustentável


O conceito de desenvolvimento sustentável proposto pela Comissão Brundtland como aquele que "atende às necessidades do presente, sem comprometer a possibilidade das gerações futuras atenderem às suas próprias necessidades", foi aprovado pelos países durante a Rio 92.É um conceito fácil de concordar, pois é puro bom senso, mas é também muito vago, e não nos indica o que fazer para atingi-lo. Para alcançar a sustentabilidade, a humanidade terá que enfrentar três grandes desafios, relacionados com o funcionamento da biosfera e com as questões sociais no mundo:

a) garantir a disponibilidade de recursos naturais para continuarmos a produzir os bens e serviços que a humanidade precisa em sua vida diária;

b) não jogar sobre a Biosfera mais resíduos e poluição do que ela pode assimilar; c) reduzir a pobreza no mundo.

Primeira fase para a sustentabilidade:melhorias nos processos de produção

Durante os anos 80, as indústrias começara a entender que fazia mais sentido investir na modificação dos seus processos de produção, dando ênfase à minimização da geração de resíduos e sua reutilização ou reciclagem, do que continuar produzindo da mesma forma e limpar a poluição no final do processo. Em 1989, o Pnuma (Progra-ma das Nações Unidas para o Meio Ambiente) lançou o Programa de Produção Mais Limpa (P+L), que possibilitava às empresas fabricarem o mesmo produto utilizando me-nos energia, menos água, menos matéria prima e gerando menos resíduos para tratamento final.

A partir dos anos 90, as indústrias passaram a adotar códigos voluntários de conduta, como a Série de Normas Internacionais ISO 14000 para sistemas de gestão ambiental. Ao adotarem tecnologias mais limpas ou sistemas de gestão ambiental, as indústrias melhoravam seu desempenho ambiental, reduziam seus cusos de produção e tornavam-se mais competitivas.

Segunda fase: melhorias no projetoe desenvolvimento de produtos


Numa segunda fase, as indústrias passaram a se preocupar com os impactos ambienais de seus produtos. Foram aprovadas normas da Série ISO 14000 sobre Rotulagem Ambiental, Avaliação de Ciclo de Vida e Introdução de Aspectos Ambientais no Projeto de Produtos Ecodesign. Como as melhorias dos processos de produção e de projeto de produtos melhoraram a competitividade das empresas, a atitude empresarial com relação ao meio ambiente passou a ser pró-ativa. Muitas empresas apresentam hoje desempenho ambiental superior ao exigido pelas normas. Mas a maioria das pequenas e médias empresas ainda acha que cuidar do ambiente é aumentar custos e reduzir competitividade.

Nessa época, portanto, uma parte das indústrias estava tentando atender aos doi primeiros desafios para o desenvolvimento sustentável, isto é, estavam produzindo de forma mais eficiente, economizando energia, água e matérias primas, e também gerando menos resíduos para serem absorvidos pela biosfera. Faltava, então, atuar mais ativamente para atender ao terceiro desafio, de ajudar a reduzir a pobreza no mundo.

Terceira fase: responsabilidadesocioambiental das empresas


As empresas desempenham um papel social importante na geração de empregos, no pagamento de impostos e na produção dos bens e serviços que necessitamos para a nossa vida quotidiana. Mas no início dos anos 90, o papel social das empresas passou a ser discutido, com a necessidade delas assumirem um papel mais amplo na sociedade, surgindo então o conceito de Responsabilidade Social Corporativa (RSC). A RSC reflete a necessidade das empresas de devolverem benefícios para as comunidades onde estão instaladas e de onde recebem trabalhadores e recursos; e veio substituir as atividades filantrópicas tradicionais das empresas.

Ricardo Young, presidente do Instituto Ethos, menciona em seu artigo "Gestão da responsabilidade social e do desenvolvimento sustentável", de 2005, os resultados que foram alcançados pelas empresas que optaram pelo caminho da sustentabilidade:

a) benefícios tangíveis: redução de custos, melhoria de produtividade, crescimento de receitas, acesso a mercados e capitais, e melhoria no processo ambiental;

b) benefícios intangíveis: valorização da imagem institucional, maior lealdade do consumidor, maior capacidade de atrair e manter talentos, capacidade de adaptação e diminuição de conflitos.

O novo desafio das empresas:economia de baixo teor de carbono


A ONU lançou, em setembro de 2009, o Estudo Econômico e Social Mundial 2009 "Promover o desenvolvimento, salvar o planeta", em que descreve as mudanças climáticas como o maior desafio humano das próximas décadas. A principal preocupação é com a mitigação, para manter as mudanças dentro de limites aceitáveis. O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) concluiu que o aumento da temperatura média global não deve exceder os 2oC. Acima desse limite, as consequências serão difíceis de prever. O Banco Mundial divulgou, em outubro de 2009,

o estudo "A Economia da Adaptação às Mudanças Climáticas", que calcula o custo de adaptação para países em desenvolvimento, com elevação de 2oC, em cerca de US$ 100 bilhões entre 2010 e 2050.

A partir de agora, o grande desafio para as empresas será inovar para atingir uma economia de baixo teor de carbono. A Série ISO 14000 já publicou normas internacionais para ajudar a alcançar esse objetivo:

a) ISO 14064 Partes 1, 2 e 3 Gases-Estufa: Especificação para a quantificação, monitoramento e comunicação de emissões e absorção por entidades e projetos;

b) ISO 14065 Gases-Estufa Requisitos para validação e verificação de organismos para uso em acreditação ou outras formas de reconhecimento.

O Comitê Técnico 207 da ISO está desenvolvendo a Norma Internacional ISO 14067 sobre Pegada de Carbono, que é uma medida da quantidade de gases-estufa emitidos durante todo o ciclo de vida de um produto desde a extração de recursos naturais, fabricação, transporte, uso e até sua disposição final, em termos de CO2 equivalente. Permite conhecer e gerenciar as emissões de gases-estufa na cadeia de suprimentos.

No Japão, já encontramos rótulos de produtos, como shampoos, que indicam a quantidade de gases-estufa emitidos na produção, distribuição, uso e disposição final ou reciclagem da embalagem. Na Suécia, já encontramos rótulos em supermercados que indicam a quantidade gases-estufa emitidos na produção de alimentos. As emissões de gases-estufa de países diferentes produzem o mesmo efeito na atmosfera. Mas produtos similares de países diferentes, ou produzidos por cadeias de suprimento diferentes, podem ter pegadas de carbono muito diferentes.

As consequências do aquecimento global estão cada vez mais visíveis, como o aumento na frequência e na intensidade dos eventos climáticos extremos, como chuvas mais intensas e mais irregulares, secas mais prolongadas, tufões, furacões, derretimento das geleiras e o aumento do nível dos mares. O grande desafio para a sustentabilidade das empresas, nos próximos anos, será a redução da emissão dos gases-estufa das suas atividades e de seus produtos, contribuindo para o estabelecimento de uma economia com baixo teor de carbono e para que o aquecimento global não ultrapasse os 2oC.

(*) Haroldo Mattos de Lemos é presidente do Comitê Brasileiro do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, professor de Engenharia Ambiental da Escola Politécnica da UFRJ, presidente do Conselho Técnico da ABNT e vice presidente do Comitê Técnico 207 da Organização Internacional de Normalização (ISO)

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