sábado, 16 de janeiro de 2010
 

Mais energia e menos efeito estufa: O desafio do século XXI


Cedo, a inteligência e a criativida­de humanas começaram a diferenciar nossa espécie das demais. Avanços tecnológicos surgiram, permitindo que nossos antepassados se aquecessem melhor, comecem melhor, se defendes­sem melhor. Tais avanços, que asse­guraram o sucesso da espécie humana, tinham, no entanto uma contrapartida:
o aumento do consumo de energia.

Essa característica manteve-se ao longo do desenvolvimento das civiliza­ções. Mais progresso tornou-se sinô­nimo de maior consumo de energia. Hoje, a produção agropecuária que fornece a enorme quantidade de ali­mentos de que os bilhões de seres hu­manos necessitam, as indústrias que produzem os inúmeros itens neces­sários ao nosso conforto e qualidade de vida, os sistemas de transporte que asseguram a mobilidade de bens e pessoas, a cultura, o lazer dependem da disponibilidade de grandes quanti­dades de energia.

Não surpreende, portanto, que to­das as projeções apontem para uma continuidade no crescimento da de­manda mundial por energia. A Agência Internacional de Energia (IEA) prevê que essa demanda aumentará cerca de 1,5% ao ano no período de 2007 a 2030, acumulando um crescimento da ordem de 40% nesse período.

A referida correlação entre cresci­mento, qualidade de vida e consumo de energia nos permite também enten­der por que, ainda segundo a IEA, a demanda energética nos países em desenvolvimento deverá crescer 2,3% ao ano no período mencionado, con­tra apenas 0,2% ao ano nos países desenvolvidos.

Ao longo do Século XX, os combus­tíveis de origem fóssil – carvão, petró­leo e gás natural – se tornaram respon­sáveis pelo suprimento da maior parte da energia consumida no mundo. Em 2007, a participação desses combus­tíveis ultrapassou 81%.
Aperfeiçoamentos tecnológicos e avanços na legislação permitiram mi­nimizar os impactos ambientais ao longo do ciclo de vida dos combustí­veis fósseis; aproximava-se o momen­to em que as chaminés e canos de descarga exalariam não mais do que vapor d'água e um gás incolor, inodoro e praticamente inerte: o dióxido de carbono – CO2.

No último quarto do século passa­do, no entanto, começaram a se acu­mular evidências de que a temperatura média da superfície da Terra estava aumentando, a uma taxa mais rápida do que a previsível com base na evo­lução natural do planeta. Estudos e pesquisas começavam a apontar com crescente grau de certeza que tal aque­cimento se correlacionava a uma in­tensificação do fenômeno natural cha­mado efeito estufa. E que tal intensifi­cação se devia ao aumento da concen­tração na atmosfera dos chamados gases de efeito estufa. E que dentre eles se destacava o CO2, justamente aquele gás incolor, inodoro e pratica­mente inerte...

À medida que se evidenciava ser o aquecimento da superfície do planeta capaz de provocar de fato uma mu­dança global do clima, com potencial de impactar as atividades humanas, crescia a pressão sobre organismos internacionais, governos e empresas no sentido de que fossem adotadas medidas capazes de impedir que a mudança climática atingisse amplitu­de capaz de afetar catastroficamente
o meio ambiente, a economia e as condições de vida das sociedades humanas.
Tal pressão se exerceu com mais intensidade sobre a indústria de ener­gia. Afinal, as emissões de gases de efeito estufa por essa indústria repre­sentaram mais de 63% das emissões totais em 2005 e poderiam vir a repre­sentar cerca de 71% do total em 2030.


Existe hoje um quase consenso quanto à necessidade de se limitar a 2ºC o aumento médio da temperatura global neste século, de modo a reduzir a probabilidade de ocorrência de fenô­menos climáticos desastrosos. Se não forem, no entanto, adotadas medidas mais eficazes para a mudança do perfil atual de emissão de gases de efeito estufa, é projetado um aumento de temperatura da ordem de 6ºC, com danos extensivos aos ecossistemas, secas e inundações, elevação acentu­ada do nível do mar e proliferação de doenças, impactando fortemente a economia e a sociedade.
Diversos cenários de emissão de gases de efeito estufa capazes de limitar o aquecimento global estão sen­do avaliados. Um dos que vêm sendo objeto de maior atenção é o chamado Cenário 450, o qual propõe que a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera seja estabilizada em 450 partes por milhão (ppm) de CO2 equivalente, em uma perspectiva de longo prazo. Estima-se que tal con­centração ofereça 50% de probabilida­de de que o aumento da temperatura média global fique limitado a 2ºC.

O Cenário 450 prevê redução subs­tancial nas emissões de CO2 associa­das à indústria de energia. Essas emis­sões deverão atingir um pico da ordem de 30,9 gigatoneladas por volta de 2020 e declinar para 26,4 gigatoneladas em 2030 (uma gigatonelada corresponde a um bilhão de toneladas). A dimensão do esforço necessário na área de ener­gia pode ser mais bem avaliada consi­derando que, se nenhuma medida adi­cional for adotada para alterar o atual padrão de consumo, as emissões de CO2 relacionadas à energia deverão atingir 34,5 e 40,2 gigatoneladas em 2020 e 2030, respectivamente.

A implementação do Cenário 450 exige que os países desenvolvidos (mem­bros da OCDE e outros países da União Européia) assumam desde já compro­missos de redução de emissões com foco em 2020. África do Sul, Brasil, China, Rússia e países do Oriente Mé­dio deverão adotar compromissos de redução a partir de 2020, fazendo com que as emissões de CO2 desse grupo de países declinem de um pico de 12,6 gigatoneladas em 2020 para 11,1 giga­toneladas em 2030. Ainda assim, o total de emissões em 2030 será superior em cerca de 14% ao registrado em 2007, assegurando a esses países um espa­ço para promoção do desenvolvimento econômico e da melhoria da qualidade de vida de suas populações.

O alcance do objetivo de se estabi­lizar a concentração de CO2 na atmos­fera em 450 ppm demandará diversos tipos de ações na área de energia, com a mobilização de todas as fontes energéticas capazes de promover re­dução da intensidade de emissão de gases de efeito estufa. A maior parcela (cerca de 52%) do total de 13,8 gigato­neladas de CO2, cuja emissão deverá ser evitada em 2030, corresponde à melhoria da eficiência energética de prédios, veículos, eletrodomésticos e de processos e equipamentos indus­triais. Outros 20% estarão associados ao incremento do uso de fontes reno­váveis, 10% à maior utilização da ener­gia nuclear e mais 10% à aplicação de tecnologias de captura e armazena­mento de carbono. O incremento do uso de biocombustíveis responderá por 3% da redução necessária.

As iniciativas para a materialização do Cenário 450 pressupõem um cres­cimento expressivo da participação das fontes menos emissoras de CO2 na matriz energética mundial. Em 2030, tomando como referência uma projeção baseada nos atuais padrões de consumo, a IEA estima que a de­manda por energia proveniente de cen­trais nucleares deverá ser 49% maior, enquanto as hidrelétricas fornecerão 21% a mais de energia. A quantidade de energia proveniente de biomassa e resíduos e a suprida por outras fontes renováveis terão acréscimos de 22% e 95%, respectivamente.

Em contrapartida, a quantidade de energia suprida pelos combustíveis fós­seis sofrerá, nas mesmas bases, redu­ção significativa: -47% no caso do car­vão,-15% para o petróleo e -17% no que diz respeito ao gás natural. É interes­sante observar, no entanto, que, apesar dessa expressiva redução, os combus­tíveis fósseis manterão ainda uma posi­ção predominante na matriz energética mundial. Mesmo no Cenário 450, os combustíveis fósseis serão responsá­veis pelo suprimento de mais de 68% da energia consumida no mundo em 2030, aspecto que mais uma vez ratifica a importância desses energéticos para o desenvolvimento econômico e social.

A adoção do Cenário 450 ou de qual­quer outro que permita limitar o aqueci­mento global a níveis seguros exigirá um alto nível de articulação internacio­nal e o engajamento de toda a socieda­de, que provavelmente se verá em face da necessidade, sempre penosa, de mudar hábitos de consumo e estilos de vida. A mudança do clima é um proble­ma global, mas que somente será re­solvido por ações e iniciativas a serem implementadas em todos os países e regiões. Esse engajamento global, ca­paz de levar em conta as diferentes necessidades, possibilidades e inte­resses de cada uma das partes envol­vidas, está se constituindo em um de­safio novo para a humanidade. Mas quem sabe se revele também como uma oportunidade de estabelecermos uma forma mais madura e cooperativa de relacionamento entre os povos.

Luis Cesar Stano é Gerente de Desempenho em Segurança, Meio Ambiente e Saúde da Petrobras

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